terça-feira, março 13

Parem as Máquinas

textos de Telma Miguel in Revista Única 18 de Outubro de 2003
Martí Guixé foi durante anos o criador da estratégia comercial da Camper, uma marca de sapatos espanhola bem sucedida, muito popular entre os jovens e que conseguiu internacionalizar-se, embora a uma escala muito mais pequena do que a grande Zara. Os adeptos da Camper eram bombardeados com uma espécie de anti-slogan a que secalhar poucos prestavam atenção. Nos sacos, a marca, dirigida a um público com poder de compra limitado, imprimiu o desafio: "Se realmente não precisas, não compres".
Recentemente, o catalão Gixé, acabou por passar-se mesmo para o outro lado da sociedade de consumo. Ele é um dos que pertencem a um grupo cada vez maior de «designers» que acreditam que o mundo está atravancado de tralha de que não precisa. Guixé não quer contribuir para isso. Este ano [2003], a bienal da Experimenta é precisamente uma reflexão sobre o consumo e são várias dessa crítica que se pode ver em algumas das exposições de referência em Lisboa.
Guixé é um personagem central desta nova filosofia. Tocou um ponto extremo e é um asceta central dos nossos dias. Guta Moura Guedes, directora da Experimenta, conta que a casa dele tem apenas um sofá branco, uma cadeira e uma mesa sobre a qual assenta um Macintosh. O que é uma bela metáfora de que as ideias contam mais que as coisas.
Um ex-designer, é como Martí Gixé se define. E de que se ocupa um ex-designer? A Guixé basta-lhe inventar conceitos de objectos, ou de situações. Por exemplo, faz cartazes de «kits» de sobrevivência em pastilhas ou, de uma maeira mais próxima da «bricolage», inventa fita adesiva impressa, para o utilizador fazer, ele próprio, os seus objectos. (...)
Jurgan Bey é um holandês que foi igualmente convidado e a fotografia que o apesenta no CCB mostra-o de avental, com um carrinho de supermercado, a abastecer-se num contentor de lixo. Bey aposta na reciclagem. Tudo já foi criado. Basta um novo verniz. Uma cadeira forrada com película de PVC, um banho metálico sobre uma velha porcelana, ou ainda uma cadeira desavergonhadamente sem perna. A estratégia de Bey passa por agir de um modo local. Vai aos caixotes dos sítios onde ocasionalmente trabalha.
É um pouco essa a onda dos irmãos Campana, dois brasileiros que nos últimos anos têm feito furor deste lado do Atlântico. Fernando e Humberto salvam peluches do fogo e recuperam tradicionais bonecas de trapo, que cosem sob a forma de cadeiras. Os restos de madeira são utilizados para fazer cadeirões. E são estes objectos, muito mais próximos da estética da favela da Rocinha do que do «glamour» do Leblon, que estão na berra. Netes últimos 3 anos, a ideia de reciclagem tem estado na cabeça de muito boa gente.
Durante muito tempo habituamo-nos à ideia de que «design» significava peças caríssimas que só uns poucos tinham o dinheiro e a falta de senso para comprar. Ou então, «bibelots» estapafúrdios que atulhavam as casas de pessoas mais sofisticadas que o comum dos mortais. Mas há mais do que apenas isso no «design».
O enjoo provocado pela produção em massa do capitalismo moderno obriga a novas soluções. Há uma nova consciência de que o consumidor também tem alguma cooisa a dizer sobre as coisas que povoam o seu dia-a-dia e que está autorizado a transformar uma garrafa de plástico numa jarra de flores. Um aluno que expõe na S'Chool (projectos das escolas de design exibidos no antigo edifício do «Record», em Lisboa) aproveitou gargalos de garrafas de vidro para saleiros e pimenteiros. De facto, não é preciso ser um génio de renome internacional para perceber o que anda no ar.

1 comentário:

Relatos para Dul disse...

cadê vocês, meninas?

saudades de vcs, e dos seus designs... abraços!