quinta-feira, janeiro 4

Um Conto "Simplesmente Diferente"

Questiono! Mas será que devia questionar?
Sinto uma agradável sensação…! É como se cada raio dominasse cada poro da minha pele…
O tempo vai passando… Há medida que vai passando, a sua intensidade aumenta e é tão intenso, tão intenso… que ultrapassa as fronteiras das minhas curvas!
Deixo-me ser levada por esta magia!
Pouco a pouco, levanto a cabeça e paro. Fecho os olhos e sinto uma primorosa brisa refrescar meu rosto.
Fico ali a desfrutar daquele momento… A Primavera voltou.
- Pum… pum… pum!!
- De onde será que vem este barulho? Ah… é verdade! Hoje é sexta-feira, devem ser os feirantes a desmontar as tendas. - Concluí, em vez de verificar o que estava a acontecer na realidade.
Naquele momento, tudo poderia suceder que eu não me levantava, queria apenas desfrutar daquele sol cintilante.
Sem me mover, fecho os olhos novamente.
Já não sinto o mesmo deslumbramento… O momento foi quebrado!
Aborrecida com o sucedido, levanto-me. Apoio as mãos na varanda e verifico que o meu pensamento estava correcto – são os feirantes. Alguns ainda têm as tendas montadas, por isso, aproveito a ocasião e desço para ir comprar algumas frutas.
- Bom dia.
- Bom dia, menina! O que deseja?
- Quero 1kg de morangos.
- Oh, menina! Não quer levar só este restinho? Faço-lhe mais barato.
- Pode ser. Já agora, pese também aquelas 5 laranjas.
Enquanto atende ao meu pedido…
- Aaiii…! Estou mesmo estafada destas andanças… Acordei às 4 da manhã e ontem deitei-me às 11 da noite. Sabe menina, estive a ajudar o meu Manel a carregar o camião. Veja lá, só dormimos 5 horas e, quando aqui chegámos, começámos logo a montar a barraca e a tirar todas as caixas de fruta. O pior é que fazemos isto várias vezes na semana – carregar e descarregar caixas pesadíssimas! Os meus ossos já estão todos moídos. É assim a minha vida…! Aqui está.
- Obrigada.
- Obrigada eu! Até para a semana.
Realmente, que vida! Nunca comprei nada a esta senhora e, nem por isso, ela deixou de me dizer “Até para a semana”, como se eu fosse uma cliente assídua. Deve ser uma forma agradável de demonstrar que gostaria que eu fosse sua freguesa. – Penso.
Volto para o prédio e reparo num aviso que está colado na porta.
“Caros vizinhos: Venho por este meio comunicar que hoje, dia 7, sexta-feira, pelas 15h, vou iniciar obras no meu apartamento. Desde já, peço desculpas pelo incómodo que poderei causar. Assinado Sr. Jacinto.”
Que sorte a minha… Hoje deve ser o “Dia Mundial do Aborrecimento”! Não podia ser pior! Este senhor é meu vizinho do andar de cima. Vai ser bonito!...
Volto para casa, arrumo as coisas e faço calmamente o almoço.
- Trum! Trum! Pumm!
- Já começou?! Pensei que ainda era cedo! Nem dei conta das horas passarem! Vou terminar as minhas tarefas domésticas para depois tomar um banho e sair.
E assim foi. Tomei banho e saí.
Ao sair do prédio, qual não foi o meu espanto ao ver um grupo de quatro rapazes a pegarem num sofá que estava junto ao caixote do lixo. Deve ser o antigo sofá do senhor Jacinto. – Concluo.
- O que será que eles vão fazer com aquilo? – Interrogo-me.
Como não tenho nada em concreto para fazer, decido segui-los. Estou mesmo interessada nesta história!
Há medida que os vou perseguindo, tento esconder-me para não ser vista. Acho que eles não gostariam de saber que alguém está a importuná-los.
As roupas que eles trazem vestidas são assim um bocadinho…, não sei bem como descreve-las! Assim um pouco… mal tratadas! Ou melhor, têm um aspecto descuidado, muito largas com algumas pequenas aberturas. – Olho mais atentamente. – O corte de cabelo daquele rapaz é ligeiramente comprido… Engraçado, os quatro têm o mesmo corte.
Entretanto, param em frente a um edifício enorme, uma espécie de armazém com aspecto abandonado, e entram.
- Esta agora?!!! … Não percebo nada! – Penso, enquanto fico ali a decidir o que fazer. – Entro… ou não entro…?! Entro! Não entro! Entro, senão nunca ficarei a perceber este caso.
- Boa tarde!
- Boa tarde! – Respondem todos ao mesmo tempo.
- Moro nesta cidade há já algum tempo. Por mais incrível que vos possa parecer, nunca tinha passado por aqui. Hoje passei e, este edifício despertou-me alguma curiosidade! Por isso é que decidi entrar. – Tento justificar-me.
Não me parece que eles estejam a acreditar lá muito no que digo, ou melhor, nem sequer dão muita importância à minha explicação! Não é de todo verdade, é certo mas… que eu nunca tinha passado por ali, ai isso não tinha!
Fico ali no meio parada sem saber mais o que dizer. - Que situação tão constrangedora!
Finalmente, um deles dirige-se a mim e diz:
- Podes sentar-te.
Sento-me e ele começa a explicar-me tudo aquilo.
- Somos um grupo que, sem qualquer ligação familiar, decidimos, espontaneamente, partilhar este sítio.
- Ah! Uma espécie de tribo.
- Sim, é mais ou menos isso! O espaço pode ser habitado por qualquer um, desde que tenha os mesmos princípios aqui estabelecidos. O importante é sentirmo-nos bem! Sem preocupações, onde a convivência, a criatividade e o prazer são as palavras-chave para esta forma de habitar. Somos um “conjunto de individualidades”, desprovido do conceito de materialidade, que transfigura o dia-a-dia numa arte de viver, contra qualquer tipo de consumo.
- Como é que isso é possível?! Vocês são contra consumismo mas, na realidade, sobrevivem dele.
- Não, claro que não!
- Ai não? Então donde veio este sofá? … E estes pneus onde estou sentada?
- Por sermos contra, só nos resta dar uma nova vida a cada objecto, numa altura que, supostamente, não teriam qualquer utilidade! Já que não conseguimos mudar a mentalidade da sociedade, apropriamo-nos e reutilizamos das coisas.
- Não deixas de ter razão! … De qualquer forma, o meu raciocínio está correcto. Tenta acompanhar: As pessoas se não mudassem de sofá, tu não poderias reutilizá-lo, pois, neste momento, ainda estaria na casa do antigo dono.
- Siiiim, tens alguma razão! E… quanto aos pneus?
- Bem, em relação aos pneus, a história é diferente… mas não sei se poderemos considerar consumo, porque quando estão “carecas” és obrigado a trocá-los para a tua própria segurança.
- É verdade, mas não te esqueças que o que faz com que haja muitos pneus é o exagero de carros que se compra neste país.
- Sim, isso também é verdade! Mas seguindo o meu raciocínio, os pneus, isso já considero reciclagem.
- Claro! Estas a ver aquela espreguiçadeira.
- Sim.
- Fui eu que fiz. Transformei pequenos pedaços de câmaras-de-ar em módulos geométricos e depois cosi-os com fio de pesca. Aqueles jornais, esses que estão atrás de ti, foi o João que os colou na parede e essas latas ficaram aí desde a primeira festa que houve aqui.
- É muito estranho!?
- O quê?
- Esta forma de habitar! Definitivamente, não percebo!...
Não deixa de ser interessante, mas estranha!











O conto “simplesmente diferente” retrata a questão do reaproveitamento dos desperdícios/ lixos. Esta é uma história vivida por nós cada dia. Vejam como é fácil criar um alfinete a partir de uma meia velha...






Este é o trabalho da designer anacosta057@gmail.com

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